Uma Dança Para a Música do Tempo

Este pequeno quadro de Poussin foi encomendado pelo cardeal Giulio Rospigliosi (1600-69), que depois se tornou o papa Clemente IX. Filósofo e dramaturgo, era um colecionador que admirava o trabalho de Poussin. O quadro apresenta uma mensagem intelectual, ou um quebra-cabeça, e é um tratado em miniatura sobre o tempo, o destino e a condição humana, apelando mais para a razão do que para as emoções.

 Os quatro dançarinos são figuras alegóricas: a Riqueza, o Prazer, o Trabalho e a Pobreza. Somos convidados a discutir seu significado contra o fundo de outros símbolos. Poussin estabeleceu um nível de conteúdo acadêmico e de habilidade técnica que muitos pintores franceses posteriores procuraram imitar, como David e até mesmo Cézanne.
   A dançarina com elegantes sandálias e uma guirlanda de rosas no cabelo atrai nosso olhar como se nos convidasse a entrar na dança. Esta figura representa o prazer, a luxúria e o ócio.
   O dançarino que usa uma coroa de louros, folha que não morre, é símbolo da virtude e da vitória. Ele representa o Trabalho e tem os olhos fixos na figura da riqueza.
   A figura com uma guirlanda de pérolas no cabelo simboliza a riqueza. O Prazer segura-lhe a mão com firmeza, mas ela parece evitar a mão da Pobreza, sem saber se vai segurá-la ou não. Nem a Riqueza nem o Prazer dançam descalços.
   A dançarina à extrema direita está vestida com modéstia, com um simples pano na cabeça. Ela representa a Pobreza e tenta tocar a fugidia mão da Riqueza.
   A figura de asas e barba que toca música para os dançarinos é o Pai Tempo. Sua presença indica o fato inescapável de que, durante toda a dança da vida, a morte está sempre a espera. A morte está presente em todas as atividades e relações humanas.
   A criança complementa a figura do Pai Tempo. Sua ampulheta significa a passagem do tempo, mas há mais areia na metade de cima - a dança ainda vai durar algum tempo.
   Já as bolhas de sabão, no canto inferior esquerdo, referem-se ao conceito de homo bulla - em latim, "homem bolha", simbolizando a brevidade da vida. Tal como uma bolha, a vida humana dura apenas um instante e logo desaparece, deixando apenas uma lembrança.
   As donzelas que seguem a carruagem no céu são as Horas, atendentes do deus solar. São as deusas das estações e também dançam num eterno círculo, paralelo à dança representada no primeiro plano do quadro. Aurora, irmã de Apolo, a deusa do amanhecer, abre o caminho para a carruagem. Ela abre os protões da manhã e afasta as nuvens negras da noite. Ela também espalha flores por onde passa.
   O círculo nas mãos do deus solar Apolo representa a eternidade. Apolo representa a ordem e o comportamento civilizado, ao passo que Baco representa o lado irracional e emocional da natureza humana.
   A figura de duas cabeças sobre o pilar de pedra é o deus romano Jano, que olhava em duas direções ao mesmo tempo. O rosto jovem olha para o futuro; o rosto velho olha para o passado. Os romanos rogavam a Jano para abençoar o início de qualquer novo empreendimento ou novo ciclo, como por exemplo o novo mês.
   Janeiro, o primeiro mês do ano, deriva seu nome deste deus de duas faces.


Fontes: Para entender a arte, p. 51.

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