"O Pesadelo" (Obra Comentada)

Foram inúmeras as maravilhas produzidas no período do Romantismo, entre fins do século XVIII e início do século XIX. O quadro "O Pesadelo" (1781), de Fuseli, é uma dessas maravilhas, pois ainda hoje continua a provocar e seduzir os espectadores com uma força sobrenatural, hipnótica e perturbadora, transformando mesmo as análises mais profundas em meros vislumbres de sua verdade.

"O Pesadelo" - Fuseli, 1781
(óleo sobre tela)
Institute of Fine Arts (Detroit)
(Página Oficial)
 “O pesadelo” pode ser considerada a obra prima de Fuseli. O quadro foi exibido pela primeira vez em 1782, na Royal Academy, onde foi considerado, por grande parte do público inglês, como obsceno, assombroso e estranho. Mas também considerado admirável, por uma minoria. Em 2006 o quadro foi emprestado pelo Instituto de Arte de Detroit, para a exposição "Gothic Nightmares: Fuseli, Blake and the Romantic Imagination" ("Pesadelos Góticos: Fuseli, Blake e a Imaginação Romântica"), na qual foi a peça de destaque.

 Toda uma aura de mistério paira sobre esta magnifica e enigmática obra. São tantas as interpretações disponíveis atualmente para os elementos que compõem esta estranha cena, que parece impossível, em alguns casos, compreendê-la em sua totalidade. No quadro, pode-se notar uma mulher adormecida, uma estranha criatura sob seu peito e um fantasmagórico cavalo (ou égua). Assim como uma elegante mesinha de cabeceira e uma suntuosa cortina aveludada vermelha. Fuseli cria uma composição extremamente horizontalizada, que se encaixa perfeitamente com a temática do sono e do repouso, elementos que, por sua própria natureza, já estariam relacionados.

 O quadro possui todo um clima de suspense, fazendo com que o espectador entre devagar na cena junto com o misterioso e fantasmagórico cavalo, que com seu olhar, nos leva à figura da mulher adormecida e depois nos empurra para a terrível criatura, que se senta sobre ela e nos olha ameaçadoramente. Nosso olhar se retém um instante sobre ele, mas continua o percurso através do sinuoso corpo da jovem, até recair sobre seu lânguido braço. Podemos também entrar na cena através dos pés, ou mesmo da mesinha de cabeceira em primeiro plano, mas o fato é que nosso olhar parecerá sempre se reter por um momento na criatura, antes de pender junto com o braço da moça.

 Percebemos também a incrível harmonia em termos cromáticos que Füseli consegue alcançar nesta obra, pois os tons avermelhados da cortina encontram correspondência com a roupa de cama que recai sinuosamente sobre o chão, assim como as áreas escuras da parte de cima, resultado dos vazados das cortinas, encontra relação com as áreas de sombra de debaixo da cama e de debaixo da mesinha. É possível encontrar também relação de equilíbrio cromático entre o íncubo e a mesinha, assim como entre o lençol e o cabelo da mulher.

 Sobre medonha criatura que olha direta e ameaçadoramente para o expectador (sua próxima vítima?), há os que afirmam tratar-se de "Mara" - um ser do folclore suiço que, segundo a lenda, seria capaz de provocar pesadelos, e até mesmo a morte em suas vítimas. É interessante perceber um possível trocadilho por parte de Fuseli com as palavras "Nightmare" (pesadelo), "Mara" (nome da criatura) e "mare" (égua, em inglês) - lembrando que o pintor dominava várias línguas. Muitos, no entanto, afirmam que a criatura na verdade é a representação de um íncubo, um demônio do folclore medieval que, segundo conta-se, visita mulheres, durante o sono à noite, para ter com elas relações sexuais, enquanto drenam suas energias ou preparam-se para matá-las. Esta segunda interpretação teve maior difusão, pois a posição da mulher sugere tanto exaustão quanto prazer sexual.

 Percebemos que o ponto geométrico da obra parece não ter sido utilizado, no entanto, o ponto perceptivo e algumas linhas de fuga (a caixinha em cima da mesa) passam exatamente pela parte genital da mulher que aparece deitada na imagem, reforçando o cunho extremamente feminino e sexual da obra. Analisando a delicada mesinha, é possível notar que em cima dela encontram-se um frasco, o que parece ser um livro e outros objetos que não se pode dizer ao certo o que são. Há quem diga tratar-se da maquiagem e outros cosméticos. Todavia, analisando a época e simbolismo do quadro, não seria errado acreditar tratar-se de láudano, uma droga largamente utilizada no final do século XVIII.

 O cavalo, ou égua, talvez seja a figura mais misteriosa da cena. Simbolicamente, os cavalos são descritos como seres que caminham entre o mundo dos vivos e dos mortos, animais sempre ligados ao seres humanos e às divindades. No entanto, uma crença ancorada no imaginário dos povos europeus, associa este animal às trevas e aos submundos subterrâneos. Destarte, o cavalo poderia ser aquele quem trouxe a criatura das profundezas escuras (ele surge do canto mais escuro da cena, por debaixo da cortina, que pode ser entendida como um separador de realidades).

"O Pesadelo" - Fuseli, 1802
(Goethe-Museum)
 Fuseli pintaria ainda outra versão d'O Pesadelo em 1802. No entanto,  a pintura mais recente, apesar de trazer os elementos já presentes anteriormente (a mulher que dorme, o íncubo sobre seu peito, o cavalo que surge da cortina e a mesa com objetos) é certamente mais energética.

 Fuseli nesta outra versão parece ter desistido da horizontalidade, verticalizando a tela e causando com isso uma sensação contrária à sensação de repouso alcançada na tela anterior. Os personagens foram realocados, sendo invertidos em sua posição horizontal. Além disso, o íncubo agora surge com feições mais macabras, inclusive sorri para o expectador, e o cavalo por sua vez surge mais lívido, com uma expressão fortemente alterada.
 Existe ainda outra tela que é recorrentemente atribuída à Fuseli, onde os mesmo elementos se repetem, inclusive a composição.


(atribuição - data desconhecida)
 Não se sabe ao certo os motivos que teriam impulsionado Fuseli a pintar outras versões de sua tela de 1781. O fato é que “O Pesadelo”,  inspirou e ainda continuar a inspirar inúmeros espectadores e artistas no mundo inteiro, principalmente aqueles que se atraem pelo mistério da noite, pela a angústia de um pesadelo, pelas criaturas noturnas, e pelo irremediável medo do escuro e do desconhecido. Elementos que fazem deste quadro uma obra tão singular e um dos mais belos e enigmáticos frutos do romantismo.



Videos

O vídeo abaixo, do canal do Instituto de Arte de Detroit, além de nos mostrar o local em que normalmente o quadro fica em exposição, nos oferece uma boa ideia de sua dimensão, além de alguns comentários por parte de um apresentador, confira:

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Algumas Curiosidades:

- Costuma-se dizer que Freud possuía em seu consultório, em Londres uma réplica d'O Pesadelo.
- Em um rascunho perdido do quadro, Fuseli não teria inserido a figura do cavalo ou égua.
"The Nightmare" - 1800
Nicolai Abildgaard
Soro Kunst Museum
- Alguns historiadores de arte vêem no íncubo a representação do próprio Fuseli, e, na mulher, a representação de Anna Landholdt (uma desilusão amorosa).
- O quadro foi extremamente parodiado ao longo do tempo, sendo usado geralmente para assuntos políticos. Em diversas reproduções, o íncubo aparece atormentando personalidades importantes como Napolão Bonaparte e Luis XVIII.
- O Pintor dinamarquês Nicolai Abraham Abildgaard, conhecido de Fuseli quando este esteve em Roma, ficou tao impressionado com o quadro, que pintou sua própria versão.
- Fuseli não deixou nenhum comentário sobre a obra.




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